Histórias de Viagem – No interior do Maranhão

Essa foi uma situação que me marcou.

Uma mistura de “não acredito que estou testemunhando isso” com “posso sim agir se vejo alguma injustiça”.

 

Estávamos na cidade de Paulinho Neves, Maranhão.

Numa parte muito bonita da estrada, onde as dunas dos Pequenos Lençois Maranhenses podem ser vistas da estrada. 

É um interiorzão, são muitos kilômetros sem nenhum estabelecimento que possa dar algum suporte ao viajante. 10 km de estrada de chão do centro de Paulinho Neves e uns 30 km do centro de Barreirinhas (a próxima cidade).

Dia quente, típico da região. Paramos para brincar um pouco nas dunas e contemplar a beleza da região. No caminho de volta pro carro vemos uma senhora e uma criança com umas caixas de isopor do lado da estrada vendendo algo de comer e beber.

Ela ajeitou um cantinho como pode, uma mesa e 4 cadeiras, um guarda-sol sobre a cabeça. Vestia roupas bem humildes e tinha pele castigada pelo sol.

Tinham 3 homens sentados tomando cerveja.

Fui comprar um suco, refri ou água, qualquer coisa gelada pra passar um pouco o calor.

Escolho minha bebida e quando vou pagar um dos caras que estavam na cerveja levanta, falando alto e cortando a fila “Quanto foi? Cervejinha e o lanche aqui e os fardinhos de refri” Apontou com a mão para a SUV que estava estacionada ali perto, de onde dava pra ver os fardinhos na carroceria.

A senhora falou algo como “120 reais”.

O cara começou a pedir desconto, mas uma diferança absurda, tipo “faz por 100 reais”.

Dai ela responde “não posso moço”.

Então ele muda sua estratégia e pergunta o valor de cada lata e dai pedi um desconto no valor da lata (mas que acabaria a porcentagem de desconto absurda que ele queria).

A mulher nervosa, pega a calculadora e vejo a mão dela tremer.

Antes de ela acabar de fazer as contas o cara espertão joga 100 reais em cima do caderninho da senhora e diz “Cenzão, está bem pago”

Nesse ponto meu sangue ferveu. Eu tremia mas era de raiva, não estava acreditando o que esse cara estava fazendo, tentando coagir a mulher e usar do seu lugar de poder (não apenas de status como também força física) para impor o que ele queria.

Me entrometi e disse: “Desconto não se pedi depois de consumir o produto e colocar ele no carro. Agora faça o favor de pagar”.

Acho que peguei ele de surpresa, pois me olhou como se tivesse visto uma assombração.

Rapidamente ele se recompôs e lança: “É que esse preço tá muito caro, lá no atacadão de São Luís eu pago X por cada lata”.

Mal terminou a frase já rebato firme: “Lá no atacadão você compra em maior quantidade. Aqui tem o valor agregado pois não há ninguém mais vendendo e essa senhora teve que trazer até aqui e ficar aqui o dia inteiro debaixo de sol”.

A senhora finalmente recupera a voz e diz: “É verdade moço, eu nem tenho carro e pago o moço que me traz tudo até aqui e é caro”

Ele tira mais 20 reais de dentro da carteira e joga em cima do caderno da mulher. Claramente a carteira estava gorda de muitas outras notas. Até hoje não consegui entender o motivo de aquele cidadão fazer um circo daquele por uma quantidade de dinheiro que não lhe faria falta.

Nisso finalmente eu consigo pagar a minha bebida, mas antes de sair o cara me olha e diz: “E por que você está ajudando ela hein?”

Só respondi “Já falei que não acho justo pedir desconto depois de consumir o produto, você tem que checar o preço antes”.

Ele saiu, peito estufado, arrastando o chinelo no chão.

A senhora só me olha e agradece.

Seguimos viagem e eu só consiguia pensar numa história que havia lido nas redes sociais algumas semanas antes. Vou deixar o link da história abaixo. Mas preciso ser bem honesta em dizer que a história mexeu comigo pois eu consegui perceber que sim: há lugares que EU peço desconto e outros que nunca ousaría. EU mesma no passado não havia percebido a consequência das minhas ações ao negociar preços com alguém mais necessitado que eu.

A lição que eu tirei depois de ler a história e o que decidi por em prática na minha vida a partir daquele momento, foi me fazer essa pergunta antes de negociar um desconto:

  • Esse desconto vai afetar mais a minha vida ou a vida da pessoa que estou pedindo?

Se a resposta for a outra pessoa, eu não peço.

Para nós 20 reais pode significar apenas umas cervejinhas a mais. Mas para aquela família pode significar passar fome, pois é o ganha pão deles.

História do Vendedor de Ovos

O-vendedor-de-ovos-Imagem

 

 

1 Comments

  1. Infelizmente muita gente aqui ainda quer “tirar vantagem ” em tudo. E os pobres continuam oprimidos e sem meios de se defender.

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